Estruturas de concreto com grandes vãos exigem soluções para garantir a estabilidade e o controle de deformações em vigas e lajes.
Fonte: Revista TECHNE
Edição 218 – Maio/2015
Um dos grandes desafios postos ao projeto de estruturas é a concepção de sistemas seguros e economicamente viáveis para dar estabilidade a grandes vãos. Lajes com mais de 10 m livres de interferências, por exemplo, são especialmente solicitadas em projetos de edifícios corporativos e em edifícios-garagem, que demandam grandes áreas livres. Também são solicitadas em empreendimentos residenciais de alto padrão que priorizam a liberdade para mudanças de layout e, em menor medida, em combinação com a alvenaria estrutural, também em torres habitacionais.
O problema é que quanto mais se aumenta o vão livre, mais se eleva o custo da estrutura, em função do maior consumo de armadura e pelo aumento da espessura da laje. Além da questão financeira, o cálculo deve contemplar as exigências das normas técnicas com relação à rigidez à flexão, ao limite à deformação, aos esforços horizontais e à punção nos apoios.
Alternativas tecnológicas
Atualmente há cada vez mais interesse dos empreendedores em eliminar as vigas e recorrer à solução de lajes planas (também chamadas de lajes-cogumelo) para vencer vãos superiores a 6 m. O engenheiro Cláudio Adler, diretor do escritório Navarro Adler Projetos Estruturais, atribui esse interesse crescente à facilidade de execução das fôrmas, com ganho de velocidade, menor número de pessoas trabalhando e redução da quantidade de fôrmas. “Como o custo das fôrmas, considerando material e mão de obra, é um item significativo na composição do custo da estrutura, muitas vezes, a laje plana acaba sendo mais competitiva”, diz ele. Ainda segundo Adler, que também é diretor da Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece), a principal vantagem das lajes planas é a flexibilidade de não ter as vigas atrapalhando as instalações hidráulicas, elétricas, dutos de ar-condicionado, ou até a possibilidade de junção de ambientes.
As lajes-cogumelo podem ser executadas com ou sem capitel, e incorporar, ou não, a protensão. O professor da Poli-USP Ricardo Leopoldo Silva e França, vice-presidente de Tecnologia e Qualidade da Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece), explica que para vencer até 6 m de vão é possível utilizar uma laje-cogumelo sem capitel e sem protensão. A partir dessa medida, pode ser necessário recorrer aos capitéis e/ou à protensão como solução para o controle de flechas e para evitar que as espessuras das lajes não se tornem muito grandes.
A combinação da laje plana (ou cogumelo) com a protensão é bastante usual. “Para vencer vãos com mais de 8 m, a laje protendida é um recurso bastante competitivo, principalmente em hotéis, salas comerciais e lajes corporativas. Já para edifícios residenciais, principalmente para apartamentos pequenos, muitas vezes esta solução não se viabiliza devido à grande quantidade de shafts e furos em laje, o que acaba tornando muito difícil o traçado dos cabos”, comenta Adler.
A principal vantagem associada ao uso de lajes protendidas é a redução de deformações e fissuras nos elementos de concreto, aumentando a vida útil da estrutura. A concretagem costuma ser mais rápida, com maior facilidade no adensamento, o que ajuda a compensar o maior tempo despendido no arranjo dos cabos sobre a laje. Em contrapartida, a protensão requer mão de obra mais especializada para a sua execução. As taxas de aço para as estruturas em lajes planas variam conforme a utilização de protensão. Em lajes sem protensão, a taxa de armadura varia de 80 kg/m³ a 120 kg/m³. Já a taxa de protensão é de aproximadamente 30 kg/m³ a 40 kg/m³ de volume protendido.
Solução para vencer grandes vãos, as lajes protendidas com cordoalhas engraxadas e plastificadas facilitam a execução, dispensando bainhas metálicas e injeção de nata de cimento |
Tipos de protensão
O consultor em protensão Eugênio Cauduro explica que a definição do tipo de protensão para uma laje (aderente ou não aderente) é uma opção da construtora e do projetista. Até o surgimento da cordoalha engraxada e plastificada, a protensão aderente era mais usual em obras de arte, sem muito sucesso em obras de edificações. “Hoje a preferência é pela protensão não aderente, que compete com o concreto armado”, diz Cauduro.
Adler concorda e lembra que a execução da cordoalha engraxada é bem mais fácil, já que o macaco para protensão é mais leve e de fácil manuseio. “No nosso escritório, de modo geral, usamos a laje protendida com cordoalha engraxada para vãos até aproximadamente 10 m. A partir daí, usamos a cordoalha aderente”, conta o projetista.
Em alguns casos, as lajes nervuradas podem significar uma alternativa quando se quer evitar a protensão. Apesar de possuir maior espessura, esse tipo de laje consome menos concreto por conta dos vazios entre as nervuras que podem ser aparentes ou preenchidos com materiais inertes, como tijolos cerâmicos e EPS, resultando em um conjunto mais leve. O consumo de aço também é menor, pois a espessura maior aumenta a eficiência das barras. Outro ponto a favor das lajes nervuradas é permitir que as vigas e capitéis possam ser embutidos na espessura da laje.
Normalmente a definição do partido estrutural é feita em conjunto com a construtora, já que cada uma tem uma cultura na execução. “Por isso, costumamos fazer alguns estudos com laje plana de concreto armado, laje plana protendida, laje nervurada etc. Só então apresentamos à construtora para, em conjunto, optarmos pela solução com o melhor custo x benefício”, comenta Adler.
Ele conta que a solução de laje nervurada com faixas protendidas para lajes com vãos acima de 10 m é bastante competitiva, já que induz ao menor consumo de concreto. “Para esta solução usamos a cordoalha aderente, já que os cabos necessitam ser concentrados”, explica.
Reforços e cuidados
A existência de grandes vãos livres de apoios supõe uma estrutura menos rígida. Por isso, é fundamental que o projetista se atente para a estabilidade global da edificação. A depender do esquema utilizado, a estrutura pode requerer reforços pontuais, seja quando usa concreto armado, seja quando usa protendido. “No caso das lajes planas maciças protendidas, é necessário projetar reforço contra a punção no entorno dos pilares, o que é exigido também se a laje for armada”, exemplifica Eugênio Cauduro.
A deformação é um item que requer cuidado e que gera influência importante no dimensionamento da estrutura. Para as edificações com muita alvenaria, por exemplo, é necessário tomar ainda mais cuidado com as deformações para evitar fissuras nas alvenarias. Para atender às exigências da NBR 6.118:2014 – Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento em relação à deformação, muitas vezes a solução passa por aumentar a espessura das lajes ou prever a introdução de capitéis.
Outro aspecto crítico é a punção, que também impacta o dimensionamento da altura da laje. O projetista Cláudio Adler conta que, mesmo nos casos em que as tensões sejam baixas, utiliza o reforço no entorno do pilar, seja com pinos, com estribos ou com as chamadas “minhocas”, que resolvem bem a questão da punção e também ajudam a manter o ferro negativo na posição correta. “Precisamos tomar muito cuidado com furos no entorno do pilar, já que estes acabam aumentando muito as tensões de punção e dificultando o caminho das cargas para o pilar”, acrescenta o engenheiro.
As lajes com amplos vãos e sem vigas também demandam uma atenção especial em relação ao contraventamento. De acordo com o professor Ricardo França, além de um bom detalhamento da armadura, essas estruturas precisam apresentar adequada resistência a esforços horizontais, já que a ausência de vigas não permite criar pórticos.
Para resolver isso, o arsenal de recursos é vasto. Um dos mais usuais é a execução de núcleos rígidos (caixas de escadas e de elevadores, por exemplo). Também é possível a execução de vigas de borda nas fachadas, que, além de auxiliar na formação de pórticos, evitam deformações maiores na borda da estrutura e cumprem ainda a função de verga das janelas.
Colapso progressivo
O termo colapso progressivo é usado para identificar a propagação de uma ruptura inicial, localizada, de modo semelhante a uma reação em cadeia que conduz à ruptura parcial ou total de um edifício. A característica básica do colapso progressivo é a de que o estado final da ruptura é desproporcionalmente maior do que a ruptura que deu início ao colapso. Um acidente grave, ocorrido em julho de 2013 durante a construção do Shopping Rio Poty, em Teresina, é um exemplo recente de colapso progressivo. Conforme relatório do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Piauí (Crea-PI), a estrutura ruiu em um ponto e o colapso se propagou para quase toda a estrutura, levando à sua ruína. Mais do que em estruturas convencionais vigadas, edifícios com lajes planas estão suscetíveis a esse tipo de colapso, que pode ser evitado com a adoção de algumas soluções de projeto. “Para a segurança da laje para o colapso progressivo, é muito importante que cabos e barras de aço CA-50, CA-60 passem sobre os pilares para que, no caso de ruptura do concreto sobre os pilares, os cabos e barras sustentem a laje mesmo que puncionada”, comenta o projetista Cláudio Adler. Outra recomendação do projetista, que também consta na NBR 6.118:2014 -Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento, é garantir que a armadura positiva atravesse a laje sobre as linhas apoio.
Vídeo mostra a demolição da estrutura que não desabou no acidente do dia 11 de julho de 2013, em Teresina, durante a construção de um shopping. Os danos provocados pela ruptura do pilar não ficam contidos ao trecho, mas se propagam por toda a edificação |
(a) As superfícies devem ser suficientemente inclinadas ou o deslocamento previsto compensado por contraflechas, de modo a não ter acúmulo de água. (b) Os deslocamentos podem ser parcialmente compensados pela especificação de contraflechas. Entretanto, a atuação isolada da contraflecha não pode ocasionar um desvio do plano maior do que ℓ/350. (c) O vão ℓ deve ser tomado na direção na qual a parede ou a divisória se desenvolve. (d) Rotação nos elementos que suportam paredes. (e) H é a altura total do edifício e Hi o desnível entre dois pavimentos vizinhos. (f) Esse limite aplica-se ao deslocamento lateral entre dois pavimentos consecutivos, devido à atuação de ações horizontais. Não podem ser incluídos os deslocamentos devidos a deformações axiais nos pilares. O limite também se aplica ao deslocamento vertical relativo das extremidades de lintéis conectados a duas paredes de contraventamento, quando Hi representa o comprimento do lintel. (g) O valor ℓ refere-se à distância entre o pilar externo e o primeiro pilar interno. NOTAS: 1) Todos os valores-limites de deslocamentos supõem elementos de vão ℓ suportados em ambas as extremidades por apoios que não se movem. Quando se tratar de balanços, o vão equivalente a ser considerado deve ser o dobro do comprimento do balanço. 2) Para o caso de elementos de superfície, os limites prescritos consideram que o valor de ℓ é o menor vão, exceto em casos de verificação de paredes e divisórias, onde interessa a direção na qual a parede ou divisória se desenvolve, limitando esse valor a duas vezes o vão menor. 3) O deslocamento total deve ser obtido a partir da combinação das ações características ponderadas pelos coeficientes definidos na seção 11. 4) Deslocamentos excessivos podem ser parcialmente considerados por contraflechas
Fôrmas plásticas
Atualmente em construção na região do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, o Edifício Barão de Tefé possui 17 pavimentos de escritórios, térreo, quatro subsolos e quatro sobressolos de garagem. Feitas com moldes de resinas termoplásticas apoiadas diretamente sobre o escoramento, as lajes nervuradas do edifício comercial possibilitaram a execução de grandes vãos com baixo consumo de materiais como madeira, concreto e aço. O engenheiro civil Alessandro Lopes de Almeida, coordenador de produção da Hochtief, construtora do empreendimento, também cita como vantagens a redução de cargas na estrutura, facilidade de montagem e desmontagem, maior velocidade de execução e redução do custo final da obra. Com abas desiguais, as cubetas usadas nas lajes medem 80 cm de largura por 80 cm de profundidade e 25 cm de altura. “Além de permitir nervuras tecnicamente dimensionadas, sem perigo de corrosão, a tecnologia facilita a desenforma manual e viabiliza a reutilização de fôrmas em três dias”, finaliza o engenheiro.
Ficha técnica
Nome da obra: Edifício Barão de Tefé
Cidade: Rio de Janeiro
Construtora: Hochtief
Ano da obra: 2013 a 2016
Mão de obra e execução: Servobras
Fornecedor das fôrmas: Atex
Escoramento: Mills
Mesa voadora
Situado nas margens do Rio Pinheiros, zona Sul de São Paulo, o Alpha Sigma Towers é um empreendimento triple A formado por um centro comercial, cinco subsolos e duas torres corporativas: a Alpha, de 30 andares, projetada para receber a certificação Leed Silver, e a Sigma, com 28 pavimentos, idealizada para conseguir o Leed Gold. As grandes lajes planas maciças do conjunto comercial estão sendo executadas com sistema de fôrmas de mesas voadoras integradas às vigas de borda de todo o perímetro das torres. “Optamos pelo uso da mesa voadora devido ao dimensionamento, geometria e posicionamento das vigas de borda, que são curvas e inclinadas e têm 1,90 m de altura”, afirma Ricardo Fontoura, Diretor de Construção da Brookfield Incorporações em São Paulo. Içada de um pavimento a outro por meio de grua, a fôrma pré-montada aumenta a produtividade ao reduzir ciclos de concretagem e eliminar o tempo necessário para a confecção de fôrmas no canteiro. Na obra Alpha Sigma Towers, o sistema viabilizou a execução de uma laje a cada oito dias. “Esta fôrma diminui a relação de hora/homem x m² de fôrma. Além disso, pode-se observar maior segurança e qualidade na concretagem devido à rigidez do conjunto travamento e cimbramento”, finaliza Fontoura.
Ficha técnica
Nome da obra: Alpha Sigma Towers
Cidade: São Paulo
Construtora: Brookfield Incorporações
Área construída: 205 mil m²
Ano da obra: 2013 a 2016
Mão de obra e execução: Qualy/Compasso
Produto utilizado (mesa voadora): Doka Top 50