Trincas, fissuras e manchas no concreto podem indicar problemas nas edificações que não devem ser ignorados e merecem reparo imediato
Fonte: Revista Techne
Edição 220 – Julho/2015
Fissuras e desplacamentos de concreto podem ser provocados pela corrosão da armadura, já que o processo de oxidação aumenta o volume do aço, ocasionando tensões de tração no cobrimento de concreto
Em muitas edificações, problemas estruturais costumam aparecer bem antes de seus 50 anos de vida. Esse é o prazo mínimo de vida útil de projeto estabelecido pela NBR 15.575:2013 – Edificações Habitacionais – Desempenho, cuja exigibilidade está completando dois anos neste mês de julho. Geralmente, esses problemas estão associados à carência de boas técnicas durante a execução da obra, aliados à falta de manutenção e acompanhamento periódico dos sistemas construtivos por profissionais especializados.
A NBR 6.118:2014 – Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento é a norma que classifica os mecanismos de envelhecimento e deterioração das estruturas de concreto, que podem ser resumidos em dois fatores principais: causas intrínsecas, ou seja, inerentes à própria estrutura, e causas extrínsecas, externas ao corpo estrutural. Dentre esses, podem existir problemas de origem mecânica, física, química e eletroquímica (veja tabela 1). No Brasil, a corrosão de armaduras é o mecanismo de deterioração de maior incidência. “Ela provoca fissuras e desplacamentos de concreto, que acontecem porque o produto da corrosão do aço ocupa um volume maior que o metal original, ocasionando tensões de tração no cobrimento de concreto”, explica o engenheiro Thomas Carmona, especialista em recuperação de estruturas e diretor da Exata Engenharia e Assessoria.
Segundo Adriana Araújo, pesquisadora do Laboratório de Corrosão e Proteção do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), é comum que a corrosão em edificações comece na base dos pilares, área mais exposta à água e agentes químicos durante as lavagens do piso das garagens. Outro local em que comumente ocorre o problema é nas juntas de dilatação, também por conta de infiltrações.
Para Agilulpho Candido Dias Neto, engenheiro especialista em recuperação e reforços estruturais e recuperação de fachadas e coordenador técnico do Centro Tecnológico de Controle de Qualidade Falcão Bauer, o processo de degradação dos pilares é bastante preocupante. “Por se tratar de elemento estrutural de suporte de um conjunto de lajes e vigas, pode levar ao colapso da estrutura no seu todo”, destaca.
Análise dos problemas
Recuperar uma estrutura danificada pode ser mais complexo do que construir uma nova. Isso porque ela pode estar em uso, o que dificulta os trabalhos, e também pode faltar a documentação necessária para análises, em especial em edifícios mais antigos. Por isso, a qualidade do processo de investigação é essencial para o diagnóstico certeiro e a escolha da solução (ou soluções) a ser adotada. “Muitas das doenças estruturais não se manifestam claramente ou são encobertas por outras, podendo passar despercebidas. Portanto, quanto mais criteriosa e aprofundada for a fase avaliativa, maiores serão os índices de acerto e eficiência da solução indicada”, destaca Marcos Antonio Vissotto, engenheiro civil e responsável técnico da Gênova Engenharia e Construção Civil.
Para determinar a origem dos problemas, o processo começa com uma vistoria inicial, para avaliar os “sintomas” externos existentes. “Alguns pontos que devem ser observados pelo profissional são a presença de fissuras e trincas, a corrosão da armadura, as desagregações, as manchas na superfície, a deformação excessiva e a deficiência na concretagem”, enumera Flávia Sobreira de Oliveira, engenharia civil pós-graduada em Patologias da Construção e gerente de Tecnologia da Método Potencial Engenharia.
Feita essa primeira análise visual, inicia-se a etapa de investigação dos dados da construção. É essencial levantar informações como idade da edificação, uso a que ela esteve submetida, fatores ambientais e presença de agentes com potencial de agressão à estrutura, e identificar as normas técnicas com base nas quais a estrutura foi projetada e construída.
Outro ponto importante é a análise dos projetos executivos e de controles tecnológicos, histórico de possíveis reformas e construções vizinhas. “Se os projetos não estiverem mais disponíveis, há necessidade de levantamento geométrico para caracterização física da edificação e da estrutura”, destaca Dias Neto.
Segundo o engenheiro da Gênova Engenharia, análises básicas e ensaios pouco invasivos também são importantes ferramentas para ajudar a montar o quadro geral do problema. Entre eles se destacam a retirada pontual de argamassa e concreto para determinação de espessura do cobrimento de concreto, a utilização de fissurômetro e plaquetas de vidro para dimensionamento de fissuras e detecção de movimentação nas mesmas, a deterioração por ataque de sulfatos e íons cloretos, e a carbonatação.
Se mesmo assim ainda não for possível fechar o diagnóstico, parte-se para avaliações mais aprofundadas. “De acordo com o tipo de problema apresentado pela estrutura, serão necessários testes e ensaios tecnológicos específicos. Os mais comuns utilizados nestes casos são a esclerometria, a ultrassonografia, as provas de cargas e a extração de testemunhos”, explica a engenheira da Método Potencial Engenharia.
Somente após o cumprimento de todas essas etapas é que será possível determinar, com exatidão, a extensão dos problemas nas estruturas, se será uma recuperação apenas ou um reforço (procedimento mais complexo e oneroso) e como serão feitos os trabalhos. “Importante frisar que o processo de deterioração não reside em apenas uma única causa”, destaca o coordenador técnico da Falcão Bauer.
Planejamento e entrega
Com o diagnóstico em mãos, parte- se para o planejamento de como serão feitos os reparos. Ele deve levar em conta se a edificação estará em uso durante as obras, para tentar diminuir o impacto sobre os usuários do local. “Os cuidados durante a execução dos serviços passam, ainda, pelo envolvimento de especialistas e profissionais capacitados, ensaios laboratoriais de aderência e resistência, entre outros, no início, durante e no fim do processo”, frisa a engenheira Flávia.
Tabela 1 – PRINCIPAIS FATORES DE DETERIORAÇÃO DAS ESTRUTURAS
Fonte: Flávia Sobreira de Oliveira, engenharia civil pós-graduada em Patologias da Construção e gerente de Tecnologia da Método Potencial Engenharia
Avaliação de corrosão da armadura (medida de potencial de corrosão) em parede de concreto armado de edifício |
Muito embora não existam no Brasil normas técnicas para controle de obras de recuperação, Carmona recomenda que, ao final dos trabalhos, seja produzida uma documentação que contenha um mapeamento das áreas recuperadas, resultados de ensaios e recomendações para inspeção e manutenção. “É fundamental que no relatório conste um parecer técnico e recomendações de intervenções necessárias para a conservação da estrutura”, complementa Adriana Araújo, do IPT.
Esse documento é indispensável para manter a efetividade das soluções adotadas e elevar a durabilidade da estrutura. “O termo de entrega das obras deve ser acompanhado das recomendações de manutenção, que normalmente se detêm a camadas ou películas de proteção, e sua periodicidade”, aponta Dias Neto. De acordo com os especialistas, o prazo de garantia dos serviços de recuperação e reforço de estruturas está atrelado aos dos fabricantes dos produtos utilizados na obra (que podem variar entre um e cinco anos). “Mas, em geral, é de cinco anos, desde que observada a renovação da pintura de proteção e/ou revisão do revestimento”, frisa o coordenador técnico da Falcão Bauer.
Produtos
Existe hoje, no Brasil, uma série de produtos que auxiliam os especialistas a sanar os problemas estruturais de uma edificação. “As características da patologia encontrada, as limitações verificadas para aplicação de determinadas soluções e o desempenho que se pretende atingir após a correção é que determinarão o produto a ser utilizado”, diz Vissotto.
Entre as opções de produtos disponíveis, uma das mais usadas é o graute, um tipo de argamassa ou concreto de consistência fluida, maior resistência e baixa permeabilidade. Ele serve para preencher vazios em locais de difícil acesso e com grande densidade de armaduras.
Já a injeção de microcimento é a alternativa para o preenchimento de bolhas e vazios deixados durante a concretagem da obra ou causados pela retração do concreto. “Sua aplicação é realizada pela instalação de bicos de injeção no concreto, que impulsionados por uma bomba elétrica ou pneumática, injetam a nata de cimento nos vazios”, explica Oliveira.
Para o reforço e recuperação das edificações utilizam-se, ainda, as estruturas metálicas em aço ou as fibras de carbono. Esta última, disponibilizada em formato de manta, é considerada uma tecnologia de ponta, mas ainda é pouco utilizada no Brasil devido ao custo até 50% mais alto que o do aço. “Ela é leve e muito resistente. Além de baixo impacto visual, possui um excelente módulo de elasticidade”, diz a gerente de Tecnologia da Método Potencial Engenharia.
Outros produtos comumente utilizados são os primers à base de zinco para proteção galvânica das armaduras; os adesivos acrílicos e epoxídicos, que servem para melhorar a aderência dos produtos do reparo ao concreto da edificação; as resinas epoxídicas, que possibilitam corrigir trincas e ancorar novas armaduras; os géis de poliuretanos, que ajudam a restabelecer a estanqueidade de estruturas fissuradas; e as argamassas poliméricas com elevada impermeabilidade aos agentes agressivos.
Pilares da garagem
Danos na estrutura de pilar da garagem depois de 30 anos de construção | Colagem das lâminas de compósito de fibra de carbono em direção horizontal para confinamento e vertical para reforço |
Com cerca de 30 anos de vida, o edifício na capital paranaense precisou, em 2013, de uma recomposição e reforço estrutural nos pilares da garagem, já bastante deteriorados e com comprometimento do concreto e das armaduras. Os danos aconteceram devido a um conjunto de fatores, entre os quais estavam falhas de concretagem (“bicheiras”), cobrimento da armadura com espessura inferior à indicada, infiltração proveniente do terraço na laje superior e pequenos choques mecânicos (batidas de carro) que contribuíram para que a estrutura se degradasse. Além da recuperação, a estrutura foi reforçada com bandas de fibra de carbono horizontais com ação de confinamento e bandas verticais para reforço frente às cargas atuantes. Após o escoramento da estrutura, o concreto nas regiões problemáticas foi removido (escarificação, jato de areia e jato de água) para se ter acesso às armaduras. Os trechos mais comprometidos foram substituídos. Nos casos mais leves, fez-se a remoção da camada corroída superficial, seguida da aplicação de inibidor de ferrugem. Depois, a equipe utilizou um adesivo estrutural de resina epóxi como ponte de aderência com o concreto existente e fez o grauteamento em camadas da área recuperada. Após o arredondamento de cantos vivos, aplicouse uma nova camada de resina epóxi para melhorar a aderência da superfície onde foram aplicadas as lâminas. Utilizou-se outro adesivo epóxi para regularização de superfície e colagem das lâminas de compósito de fibra de carbono na direção horizontal (para confinamento) e vertical (para reforço). Após a aplicação de resina de laminação para proteger as bandas de carbono, o serviço foi finalizado com a execução do revestimento.
Edifício residencial com 30 apartamentos
Localização: Curitiba
Empresa executora: Gênova Engenharia e Construção Civil
Fornecedores: Sika e MC Bauchemie
Detalhes executivos
Reparo de segregações em pilares
Reparos profundos e semiprofundos (profundidades superiores a 3 cm)
Reparo profundo unificado
Estrutura de transição
O edifício de 13 andares, construído nos anos 1970, apresentava anomalias na estrutura de concreto armado em vigas, pilares e na laje do subsolo da garagem. Os problemas existentes incluíam corrosão de armaduras em estágio avançado, fissuração, segregação do concreto e infiltrações de água, em sua maioria devidos à idade do imóvel e às deficiências na execução e manutenção. Para sanar os problemas estruturais, foi feita escarificação profunda na face inferior e lateral das vigas de transição, o que reduziu a aderência entre as armaduras e o concreto das vigas na face inferior (zona de tração). O projeto de escoramento emergencial das vigas de transição utilizou o piso do subsolo, com uma distribuição de perfis funcionando como uma fundação direta.
Escarificação profunda na face inferior e lateral da viga de transição da garagem de edifício | Grauteamento na posição mais crítica, no nível da transição, para permitir o apoio do escoramento metálico | Escoramento com perfis metálicos |
Corrosão de armaduras em laje, viga e pilar em estágio avançado no teto do subsolo, com desplacamento do concreto | Vista geral do subsolo do edifício após reparos |
Condomínio Edifício Charmaine
Localização: São Paulo
Projeto de recuperação: Exata Engenharia
Empresa executora: Flowserv
Fornecedor: Weber Saint-Gobain