Dimensionamento de consolos de concreto com o auxílio de modelos de bielas e tirantes – Parte II: Prescrições normativas, detalhamento e aplicações

Dimensionamento de consolos de concreto com o auxílio de modelos de bielas e tirantes – Parte II: Prescrições normativas, detalhamento e aplicações

O modelo de bielas e tirantes aplicado a consolos de concreto é intuitivo, simples e eficiente, uma vez que diversos ensaios experimentais comprovam a sua validade.
Uma breve fundamentação teórica sobre o método de bielas e tirantes, além de todos os passos de dimensionamento de um consolo, pode ser vista na parte I deste artigo (Santos e Stucchi, 2013).
Esta sequência tem por objetivo complementar a parte I, analisando e discutindo as prescrições normativas das NBR 6.118:2007 – Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento e NBR 9.062:2006 – Projeto e Execução de Estruturas de Concreto Pré-Moldado e o detalhamento adequado desse tipo de elemento estrutural. Além de mostrar dois exemplos de aplicação baseados nos conceitos discutidos.
Roteiro de dimensionamento de um consolo 
Em Santos e Stucchi (2013), o dimensionamento de consolos de concreto foi avaliado em detalhes e um roteiro de cálculo que resume todos os passos é mostrado na figura 1.

 

Comentários sobre as prescrições da NBR 6.118 e NBR 9.062
A NBR 6.118 e a NBR 9.062 consideram que o consolo curto é aquele em que ac/d está compreendido no intervalo [0,5; 1,0]. Foi utilizada a nomenclatura ac em vez de a (conforme NBR 6.118) para manter a coerência com a primeira parte do artigo.
figura 2, que é reproduzida em ambas as normas, indica o modelo que deve ser utilizado. Percebe-se que a biela é considerada com largura constante, faceando o canto inferior do consolo. Nota-se, também, que na face superior considera-se uma abertura de carga até o centro de gravidade das barras do tirante.
Considerando que não haja limitação geométrica para a “abertura” da força aplicada, a inclinação da biela pode ser determinada pela expressão:
cotgθ = ac + ap/2 + e + d’ : d (1)
considerando d’ = 0,1d, temos:
cotgθ = 0,1 + ac + ap/2 : d + 0,1 . H: Fd (2)
Logo,
T1d = (0,1 + ac + ap/2 : d) Fd + 1,1 H d (3)
No entanto, a NBR 9.062, em seu item 7.3.5.3, prescreve a seguinte expressão (adaptada para comparação):
T1d = (0,1 + ac /d) Fd + H d (4)
É fácil perceber que o modelo da figura 2 não corresponde ao equilíbrio proposto pela NBR 9.062 para a determinação da força no tirante (equações 3 e 4).
Com relação à verificação do esmagamento do concreto da biela, no item 7.3.4.1 a NBR 9.062 estabelece os seguintes limites:
σcd ≤ f cd , para cargas diretas, e
σcd ≤ 0,85 ∙ fcd , para cargas indiretas.
Nota-se que a resistência da biela para carga direta é alta e igual ao prescrito no Eurocode 2 (EC 2) para bielas sem tração ortogonal, porém ressalta- se que o EC 2 considera o fator αc = 1,0 e não 0,85. O limite para carga indireta também é alto.
Como a largura da biela é constante e, consequentemente, as tensões na biela e nos nós são iguais, podemos concluir que a NBR 9.062 permite tensões superiores que o EC 2, já que o limite para o nó tracionado é 0,85 ∙ αv2 ∙ fcd e não fcd.
Por outro lado, a NBR 6.118 não estabelece regras para o uso de modelos de bielas e tirantes. No que diz respeito às armaduras mínimas, a NBR 9.062 prescreve que a área de aço do tirante em consolos com ac/d ≤ 2 seja superior a:
As,tir ≥ 0,04 ∙ b ∙ d ∙ fyk/fck (5)
Com relação às armaduras secundárias, a NBR 9.062 limita-se apenas a prescrever armadura de costura de acordo com as seguintes expressões (item 7.3.6):
As,cost ≥ 0,5 ∙ Fd ∙ cotgθ,para ac/d ≤ 0,5
As,cost ≥ 0,4 ∙ Fd ∙ cotgθ, para 0,5 < ac/d ≤ 1.
A armadura transversal vertical de consolo curto, no caso de carga direta, é comentada no item 7.3.7.2 da NBR 9.062, que prescreve a armadura mínima, se construtivamente necessário.
A fim de comparação, o EC 2, em seu anexo J.3, prescreve armadura de costura mínima apenas para consolo muito curto. No caso de consolo curto, o EC 2 estabelece uma armadura de estribo mínima se a força vertical aplicada for maior que a resistência VRd,c (resistência à força cortante de lajes sem estribo).

Sobre o detalhamento das armaduras de consolos

Ao detalhar qualquer estrutura de concreto dimensionada pelo MBT, é necessário que as armaduras estejam de acordo com o modelo adotado. Logo, analisando os modelos mostrados em Santos e Stucchi (2013), da figura 6 à figura 10, podemos chegar às seguintes conclusões:
 As armaduras do tirante devem atravessar todo o campo de compressão produzido pela placa de apoio, ou seja, a distância da face do consolo até a borda do aparelho de apoio deve ser pelo menos igual ao cobrimento (c). No entanto, para evitar o destacamento do canto de concreto, recomenda-se o mínimo de 2c;
 A armadura de costura pode ser considerada distribuída em 80% do braço de alavanca (z) e deve ser disposta entre as forças horizontais T1d e Rcd (aproximadamente centralizada);
 Os estribos necessários devem estar entre a face do pilar (ou elemento de apoio do consolo) e a face interna do aparelho de apoio;
 O modelo da figura 9 da parte I mostra que armaduras inclinadas são mais eficientes e elas podem ser colocadas, caso haja necessidade de um controle mais rigoroso das fissuras.
Quando a distância da placa até a face do consolo for menor que 2c (porém não menor que o prescrito na NBR 9.062, ver figura 4), sugere-se adotar armadura principal em mais de uma camada.
No caso de barra transversal soldada na ponta da armadura principal, deve-se adotar as prescrições da NBR 9.062, conforme figura 4.
A utilização de alças verticais em consolos não é aconselhável. No caso da distância entre o apoio e a face do consolo ser maior que o recomendado na figura 3, esse detalhe é aceitável.
De qualquer forma, vale ressaltar que a NBR 9.062 não permite esse detalhe para bitolas maiores que 16 mm.

Exemplos
Exemplo 1 
Concreto C35 (fck = 35 MPa), Aço CA-50 (fyk = 500 MPa), Cobrimento: 3,5 cm, Aparelho de apoio: 25 cm x 10 cm, Geometria e cargas: ver figura 5. Trata-se de um consolo muito curto, segundo a NBR 6.118 e a NBR 6.092 com ac/d = 0,33.

Passo 4a: 
Para a verificação da ancoragem da armadura do tirante, dever-se-ia considerar que é uma região de má aderência (η1 = 0,7), porém, existe um confinamento por compressão transversal que reduz o comprimento de ancoragem. A DIN 1.045 reduz em 67% e o EC 2 em 70%. Por isso, será considerado que um efeito anula o outro, ou seja, será considerada região de boa aderência.

Passo 4b: 
Como a armadura não se estende até 2d’ além da face externa do aparelho de apoio, a espessura da biela em B é (figura 7):

Obs.: a NBR 6.118 permite ancorar a armadura por uma única barra soldada na transversal, desde que a bitola transversal seja no mínimo igual à bitola máxima do tirante. Além disso, exige um detalhe e controle da qualidade de solda, bem adequado ao pré-fabricado, que muitas vezes não é possível se garantir no campo.

 

Exemplo 2
Mesmos dados do exemplo 1, exceto geometria e cargas, que são mostradas na figura 9. Aparelho de apoio: 35 cm x 15 cm.
Trata-se de um consolo curto segundo a NBR 6.118 e a NBR 9.062, com ac/d=0,53.

Esse valor é maior que fcd2, porém é verificado experimentalmente que nós com múltiplas camadas de armadura têm mais resistência e podemos considerar a geometria do nó mostrado na figura 11(baseado em Reineck, 2005).
Uma forma simples, e mais prudente, é desprezar o efeito benéfico da força de tração no nó e calcular a largura da biela como sendo:
abie = ap ∙ senθ + u ∙ cosθ (7)
sendo:
u = 0; uma camada de barras que não ultrapassa em pelo menos 2c1 o ap. de apoio;
u = (n – 1) ∙ s + φ; n camadas de barras que não ultrapassam em pelo menos 2c1 o ap. de apoio;
u = 2 ∙ d’; barras que ultrapassam em 2c1 o ap. de apoio, independentemente do no de camadas. Onde:
c1 é a distância do centro de gravidade das barras da primeira camada até a face do concreto; s é o espaçamento entre camadas.

Proposta de determinação da armadura de costura 
Motivados pela simples expressão usada pelo Model Code 1990 para a determinação da força vertical em forças aplicadas próximas aos apoios, os autores propõem a seguinte expressão para a força horizontal:
Fwhd = (0,4 – 0,2 ∙ a/z) ∙ Fd
p/ 0,4 ≤ a/z ≤ 2 (8)
Na tabela 1, comparam-se os resultados obtidos com a equação 8 proposta com os valores determinados no exemplo, utilizando o modelo proposto por Bosc (2008).
Nota-se que os valores obtidos com a equação proposta são um pouco menores, no entanto, Schlaich e Schäfer (2001), que propuseram a equação que consta no EC2, consideram esses valores conservativos. Além disso, a equação 8 respeita a equação do Model Code 1990 para consolo curto, uma vez que para a/z ≥ 0,5 a razão entre a força horizontal e a força vertical aplicada é maior ou igual a 0,3.

Conclusões
As normas brasileiras NBR 6.118 e NBR 9.062 precisam de revisões que contemplem regras sobre a utilização de modelos de bielas e tirantes. Na parte I deste artigo, propostas de limites de resistência de nós e bielas foram feitas para futuras revisões. Nesta parte II, mostrou- se que o modelo assumido nessas normas para aplicação em consolo não é o mais adequado.
Além disso, a NBR 9.062 prescreve uma expressão para determinação da força no tirante que não condiz com a geometria do modelo que consta na NBR 6.118. Além disso, a determinação das armaduras de costura e suspensão é feita por taxas, que no caso de consolo curto não é apropriada.
Neste artigo, em duas partes, definem- se critérios para a determinação das armaduras de costura e dos estribos necessários, sendo inclusive proposta uma expressão para a determinação da armadura de costura em consolos curtos.
Por fim, exemplos de aplicação (um de consolo muito curto e um de consolo curto) foram produzidos com a filosofia exposta.

FONTE: REVISTA TÉCHNE, EDIÇÃO 193

Leave a Reply

Rodrigo R. Carvalho

Rodrigo Carvalho Engenharia de Estruturas é uma empresa especializada no desenvolvimento de Projetos estruturais, desenvolvendo seus serviços dentro de modernos conceitos de otimização e segurança.

FALE CONOSCO

Dúvidas, entre em contato

© 2023 Feitor por AgênciaInterativa