Métodos podem ser combinados para evitar a evaporação da água de hidratação e garantir o desempenho estrutural
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Figura 1 – Fissuras por cura inadequada do concreto (vista superior da laje) |
Para se obter uma estrutura de qualidade, o lançamento do concreto deverá ser seguido por um processo de cura durante os primeiros estágios de endurecimento. Esse processo se caracteriza por uma série de procedimentos que visam a impedir a evaporação da água necessária à hidratação do cimento e, por conseguinte, ao incremento de resistência do material (Souza, Ripper, 1998; Neville, Brooks, 2013).
A inobservância desses procedimentos afeta não apenas a resistência, mas também a durabilidade do concreto, com efeitos negativos relacionados à permeabilidade, à resistência à abrasão, à estabilidade volumétrica, à resistência ao congelamento/ degelo e à resistência aos agentes agressivos. A perda de água, agravada pelo processo de cura inadequado, ocorre principalmente na camada mais superficial do concreto (figura 1), responsável pela proteção das armaduras contra ataques químicos (Aïtcin, 2000; Neville, Brooks, 2013).
Apesar disso, a cura do concreto é usualmente negligenciada, já que os procedimentos recomendados tendem a interferir negativamente na velocidade de execução da obra e não são percebidos como essenciais para a sua durabilidade. Isso se deve ao fato de que as patologias decorrentes das práticas inadequadas não são, muitas vezes, observadas nas primeiras idades do concreto.
Desse modo, verifica-se que a atenção com o processo de cura é de fundamental importância para que a estrutura de concreto armado apresente o desempenho esperado ao longo de sua vida útil.
Tempo de cura do concreto
A NBR 14.931:2004 – Execução de Estruturas de Concreto – Procedimento destaca que, enquanto não atingir endurecimento satisfatório, o concreto deverá ser curado e protegido contra qualquer agente que lhe possa causar danos (perda de água pela superfície exposta, por exemplo). Para elementos estruturais de superfície, como lajes, a NBR 14.931:2004 enfatiza que a cura deve se dar até que o concreto atinja resistência característica à compressão (fck) igual ou superior a 15 MPa.
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Figuras 2 e 3 – Cura úmida do concreto por molhagem constante |
Tem sido aceito pelo meio técnico e científico a definição da duração do processo de cura em função do tipo de cimento e da relação água-cimento do concreto, conforme se observa na tabela 1.
Portanto, compete ao responsável pela execução da estrutura da edificação verificar a relação água- cimento e o tipo de cimento empregado no concreto em uso, para identificar a duração adequada para a cura do(s) elemento(s) estrutural(is) no canteiro de obras.
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Figura 4 – Aspersor utilizado no processo de cura do concreto |
Métodos de cura do concreto
Há várias maneiras de realizar a cura de elementos estruturais em concreto. A escolha do processo mais adequado para cada situação dependerá do tipo de material disponível na obra, do tamanho e do formato da estrutura, das condições climáticas, além de aspectos econômicos e estéticos. Dentre os diversos métodos, destacam-se aqueles que são de fácil aplicação em canteiro de obras:
– Molhagem constante;
– Aspersão;
– Irrigação;
– Alagamento;
– Cobertura com tecidos/mantas úmidos(as);
– Cura química (compostos formadores de membranas de cura).
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Molhagem constante
O processo mais comumente empregado na cura do concreto de estruturas é o de molhagem constante, que consiste em molhar repetida e constantemente as peças em concreto, fazendo-se uso de uma mangueira (figuras 2 e 3), durante o período designado. O método de molhagem constante é possível de ser aplicado na maioria dos casos, desde que não apresente dificuldades e riscos à mão de obra, como é o caso da molhagem de vigas isoladas estreitas em alturas elevadas.
Para a aplicação desse método, é necessário apenas que haja disponibilidade de pontos de água no local em que se está executando a estrutura, mangueira com tamanho suficiente que possibilite o lançamento de água sobre toda a superfície do concreto submetida ao processo de cura e pessoal disponível em período integral para que o processo de cura se dê de forma ininterrupta.
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Figuras 5 –Distribuição dos aspersores deve garantir o lançamento uniforme da água em toda a superfície, evitando a ocorrência de áreas secas | Figuras 6 – Detalhe dos fios de água lançados pelos microfuros da mangueira |
Rotineiramente, observa-se a interrupção do processo de molhagem ao final do dia e sua retomada no dia seguinte. Nesse contexto, importa ressaltar que, conforme reporta a bibliografia, essa interrupção, mesmo que ocorra no período da noite, implica a diminuição dos ganhos de resistência do concreto no período, assim como outros prejuízos à durabilidade da estrutura. Portanto, caso não haja disponibilidade de funcionários em período integral, recomenda- se o estudo de outros métodos de cura.
Aspersão
A cura do concreto também pode ser realizada por meio do lançamento contínuo de água sobre a estrutura por um sistema de aspersores (figura 4). Esse método de cura é recomendado para superfícies planas, tais como pavimentos de edificações, não sendo recomendado para áreas inclinadas, como rampas em concreto ou escadas. Contudo, como é possível observar nas figuras 4 e 5, podem ocorrer áreas secas na superfície em processo de cura decorrentes do mau posicionamento dos aspersores.
De forma geral, verifica-se que o sistema com aspersores apresenta autonomia e vantagem limitadas em relação ao sistema tradicional, de molhagem constante. A falta de cuidados também pode implicar gastos desnecessários de água. Apesar disso, é um método largamente empregado em canteiro de obras.
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Figuras 7 – Laje submetida à cura com uso de mangueiras microperfuradas de jardim | Figuras 8 – Cura por alagamento em piscina |
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Figuras 9 – Barreira de contenção para impedir o vazamento da água sobre bloco de coroamento | Figuras 10 – Cura de concreto em escada com sacos de aniagem |
Irrigação
Um método alternativo ao de molhagem constante e ao de aspersão é o que utiliza mangueiras microperfuradas, comumente empregadas na irrigação de jardins (figura 6), principalmente devido ao menor consumo de água no processo. Nesse método, as mangueiras devem ser posicionadas de forma que o fio de água originado em cada microfuro tenha o máximo alcance na superfície submetida ao processo de cura (figura 7).
Apesar de apresentar uma molhagem da estrutura mais uniforme que aquela realizada por aspersores, deve-se ter cuidado especial nas cotas mais altas de superfícies com inclinações leves (caídas para ralos, por exemplo), sujeitas à secagem mais rápida devido ao menor acúmulo de água.
Alagamento
O processo de alagamento consiste em cobrir com água a superfície exposta da estrutura de concreto, dispensando a molhagem contínua. Na maioria dos casos, é preciso construir uma barreira de contenção (de areia, serragem, madeira, dentre outras opções) ao redor do elemento estrutural para que a água não vaze ou escorra.
Esse método é indicado para áreas menores com superfície plana (figuras 8 e 9), como, por exemplo, lajes de pequenas dimensões e poucas aberturas, ou ainda rebaixos, piscinas e blocos de coroamento.
Compete salientar que o processo de cura não substitui medidas de redução de temperatura do concreto (gradiente térmico). Portanto, a execução de peças estruturais com grandes volumes e espessuras, como os blocos de coroamento, exige estudos técnicos prévios do engenheiro estrutural e do engenheiro de materiais que fundamentem a especificação do concreto e os procedimentos de concretagem. Algumas soluções adotadas nessas situações são o uso de cimentos com menor calor de hidratação, a redução do consumo de cimento, a concretagem em camadas, a refrigeração dos agregados, a utilização de gelo em substituição parcial à água e/ou refrigeração da massa de concreto por meio da circulação de água em tubulações embutidas no concreto.
Figura 11 – Cura com manta geotêxtil |
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Figura 12 – Cura com sacos de aniagem em locais de difícil acesso |
Cobertura com tecidos ou mantas úmidos
Tecidos retentores de umidade saturados com água (figuras 10 e 11), tais como jutas, sacos de aniagem, mantas geotêxteis ou outras coberturas de algodão têm sido rotineiramente empregadas no processo de cura de estruturas em concreto armado em canteiro de obras.
Esses materiais devem ser posicionados saturados sobre a estrutura em concreto, com o objetivo de impedir a evaporação da água do concreto nas primeiras idades. Para que a cura se dê de forma satisfatória, os tecidos retentores de umidade devem ser mantidos úmidos por molhagem periódica ou por cobertura com filme de polietileno, que evita a evaporação.
O uso de coberturas úmidas permite reduzir a frequência de molhagem da superfície do elemento estrutural em concreto, proporcionando uma cura mais eficiente, com menor consumo de água e acompanhamento menos intensivo do colaborador encarregado do serviço.
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Figuras 13 e 14 – Aplicação de composto formador de membrana para cura com regador e por pulverização |
Recomenda-se a utilização de coberturas úmidas principalmente em pequenos trabalhos, cotas mais altas de superfícies com desníveis leves (caimento para os ralos) ou acentuados (rampas), escadas e outros locais em que o acesso para o lançamento da água se torne trabalhoso ou traga riscos à mão de obra (figura 12).
Quando se empregam coberturas úmidas, principalmente mantas geotêxteis, a continuidade dos serviços de execução da estrutura (montagem de colarinhos, armaduras e fôrmas para pilares, por exemplo) pode causar danos ao tecido ou sua remoção do local de aplicação, comprometendo o processo de cura. Portanto, ressalta-se que esse método é indicado preferencialmente para locais onde há pouco ou nenhum fluxo de pessoas e materiais.
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Figura 15 – Cura com mangueiras microperfuradas associadas com sacos de aniagem |
Cura química
Vários tipos de compostos líquidos formadores de membranas podem ser aplicados sobre a superfície do concreto para reduzir ou retardar a perda de umidade, sendo sua aplicação recomendada para a maioria dos casos. O método que faz uso desses compostos formadores de membrana é conhecido como cura química e sua eficácia depende da qualidade dos produtos utilizados, do tempo transcorrido até o início da aplicação e da uniformidade da aplicação do produto na superfície.
A aplicação dos compostos pode ser feita com regadores (figura 13) ou equipamentos de pulverização (figura 14), em uma ou duas camadas (perpendiculares entre si), dependendo das especificações do produto. Regadores podem apresentar consumo em excesso do produto, de forma que, na maioria dos casos, recomenda- se o uso de equipamentos de pulverização. Ressalta-se que a superfície a ser submetida ao processo de cura deverá estar limpa (não apresentar pó, óleos, graxas ou resíduos de desmoldantes) e livre de estoques de materiais que obstruam a aplicação do produto em toda a superfície do elemento estrutural sob cura.
Figura 16 – Continuidade dos serviços de execução da estrutura durante o processo de cura |
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Figuras 17 – Estocagem de aço para montagem de pilares sobre lajes durante o processo de cura do concreto |
Esse método deverá ser estudado caso a caso, considerando se o pavimento submetido ao processo de cura química receberá ou não argamassa de regularização, piso ou pintura, uma vez que alguns tipos de formadores de membrana não permitem a colocação de camadas de concreto ou argamassa sobre o concreto curado e também prejudicam a aderência da pintura.
Normalmente, o produto é aplicado quando a superfície do concreto está úmida. Esses produtos podem ser aplicados sobre o concreto no estado fresco, sobre o concreto endurecido, após a remoção das fôrmas ou após a cura úmida. Alguns estudos mostram que estruturas em concreto armado submetidas ao processo de molhagem constante por três dias e, após esse período, submetidas à cura química apresentaram desempenho (resistência à compressão e ao ataque de agentes agressivos) superior àquelas que foram submetidas ao processo de cura química ainda quando o concreto estava no estado fresco. A secagem do produto acontece em aproximadamente duas horas, quando a área pode ser liberada para o tráfego de pessoas e de materiais, permitindo a continuidade da execução da estrutura.
É comum, ao final do período de cura (normalmente sete dias), a ocorrência de pó na superfície do elemento estrutural de concreto. Esse material deverá ser removido por meio de lavagem com água e sabão neutro ou jato de areia, principalmente no caso de superfícies que receberão algum tipo de acabamento.
Deve-se cuidar para que o produto não seja aplicado na região interna das esperas dos pilares, uma vez que o concreto nesse local apresenta irregularidades que dificultam a limpeza do pó remanescente do produto – o que poderá provocar problemas de aderência entre concretos e prejudicar o desempenho do elemento estrutural.
Cuidados complementares no processo de cura
A fim de que se tenha um processo de cura adequado e satisfatório, é necessário planejar sua execução e levantar os dados referentes ao consumo de materiais e equipamentos visando a otimizar o custo do sistema, o consumo de água (quando utilizada) e a qualidade do serviço final.
Conhecer as alternativas disponíveis e as condições da estrutura que receberá a aplicação definirá a escolha do melhor método de cura para cada obra, sendo possível, inclusive, combinar diferentes soluções em uma mesma obra. A figura 13 demonstra uma situação em que o método de cura por irrigação (mangueiras microperfuradas) foi combinado com o de tecidos úmidos (sacos de aniagem). Nesse caso, apesar de o pavimento ser plano, ele apresentava desníveis que dificultavam o umedecimento contínuo e uniforme da superfície. O sistema de irrigação, que apresentava menor consumo de água, foi empregado em conjunto com sacos de aniagem nas cotas mais elevadas da laje, o que permitiu conservar as condições adequadas à cura por um período maior.
Em obras de edificações de grande porte, é comum que os serviços de execução da estrutura tenham continuidade tão logo a laje adquira resistência mínima que possibilite atividades como a montagem da armadura e das fôrmas de pilares, por exemplo – período em que a cura do concreto ainda está em andamento. Muitas vezes, isso resulta em movimentação intensa e na estocagem de materiais sobre a superfície curada (figuras 16 e 17), fato que deve ser considerado no planejamento do processo.
Também é possível utilizar a fôrma como parte integrante do sistema de cura – no caso de pilares e laterais de vigas, por exemplo -, uma vez que os painéis impedem a perda de umidade pelas faces do concreto em contato com as fôrmas. Nesse caso, a remoção das fôrmas deverá ser feita no momento especificado em projeto, considerando os requisitos estabelecidos no sistema de cura.
Fonte: Revista Techne
Hugo Sefrian Peinado